O outono sopra gelado, um prenúncio de que o inverno se pinta em futuro próximo. Os galhos longos e agudos das árvores, que em tempos primaveris desenham-se frondosas, estendem os braços de tons variantes de marrom e amarelo por sobre minha cabeça, por sobre aquele banco no qual me sento, a madeira envelhecida e ferida pelo tempo e pela exposição às intempéries. Na armação, uma ponta de ferrugem esconde-se próxima ao formigueiro que se instalara na raiz de uma árvore que se erguia às minhas costas.
Abro meu jornal e prego meus olhos ali, sem atenção suficiente para perceber tudo quanto ali se exprime. Pisco duas ou três vezes e fecho meu casaco, para impedir que o frio se aloje onde deveria estar o calor. Ergo minha cabeça e fito o azul limpo do céu através das folhas, algumas pendentes, outras flutuantes rumo ao chão.
Meu olhar se volta para o lado direito, de esguelha, permito-me segundos de deslumbramento com a alameda de árvores outonais, a terra do caminho, de que hora ou outra se utilizavam os transeuntes, estava forrada de folhas.
Uma criança passou de bicicleta diante de mim, o peludo cachorro de pêlo dourado, a língua amostra, correndo alegremente em seu encalço. Vez ou outra, a criança encapuzada e agasalhada voltava o rosto sorridente para o animal, chamando-o carinhosamente.
Um casal de velhinhos cruzou a passos curtos e oscilantes a minha visão. Os braços dados, as costas curvadas, os cabelos em neve cuidadosamente penteados. À mão do senhorzinho firmava-se uma bengala de madeira lustrada. O amor de uma vida refletido na simplicidade de um gesto gentil, um passeio em uma manhã gelada de outono, o cuidado de um para com o outro evidente.
Abro os dentes em curiosidade ao ver um serelepe esquilo brigando com uma noz qualquer, que teimava em escapar-lhe dos dedos miúdos e ansiosos. Rolou-se no chão por sobre a amêndoa e desistiu daquela ao descobrir uma maior, alguns passos dali. Iniciou-se excitante batalha, um esquilo miúdo em suado esforço para erguer uma noz encalhada. Regozijei-me.
Uma fileira de passarinhos dançou em coreografia graciosa, um mergulho mortal que os fez adentrar nas copas e surgir sob elas, formando uma espirar a agitar as folhas do chão e sumindo em revoada.
Fechei o jornal e dobrei-o ao meio. As notícias de uma selva de pedras não eram imbuídas do encanto com que poderia me deliciar em alguns minutos de observação daquele pequeno universo em que me infiltrava, como uma estátua incapaz de interferir, apenas de assistir.
Cruzei as pernas demoradamente e repousei as mãos ao colo. Assim permaneci, com um sorriso suave no rosto, durante horas a fio e sequer percebi um minuto passar.
O vento soprou gelado, folhas caíram.